O Dia de Joana (trecho)

sexta-feira, abril 25, 2008

A certeza de que dou para o mal, pensava Joana.
O que seria então aquela sensação de força contida, pronta para rebentar em violência, aquela sede de empregá-la de olhos fechados, inteira, com a segurança irrefletida de uma fera? Não era no mal apenas que alguém podia respirar sem medo, aceitando o ar e os pulmões? Nem o prazer me daria tanto prazer quanto o mal, pensava ela surpreendida. Sentia dentro de si um animal perfeito, cheio de inconseqüências, de egoísmo e vitalidade.
[...]
Era um pouco de febre, sim. Se existisse pecado, ela pecara. Toda a sua vida fora um erro, ela era fútil. Onde estava a mulher da voz? Onde estavam as mulheres apenas fêmeas? E a continuação do que ela iniciara quando criança? Era um pouco de febre. Resultado daqueles dias em que vagava de um lado a outro, repudiando e amando mil vezes as mesmas coisas. Daquelas noites vivendo escuras c silenciosas, as pequenas estrelas piscando no alto. A moça estendida sobre a cama, olho vigilante na penumbra. A cama esbranquiçada nadando na escuridão. O cansaço rastejando no seu corpo, a lucidez fugindo ao polvo. Sonhos esgarçados, inícios de visões. Otávio vivendo no outro quarto. E de repente toda a lassidão da espera concentrando-se num movimento nervoso e rápido do corpo, o grito mudo. Frio depois, e sono.

1 Clariceanos