O Casamento (trecho)

domingo, junho 08, 2008

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Mas apesar de tudo a impressão continuava querendo ir para frente, como se o principal estivesse além da escadaria e dos leques. Parou um instante os movimentos e só os olhos batiam rápidos, à pro­cura da sensação. Ah, sim. Desceu pela escadaria de mármore, sentindo na planta dos pés aquele medo frio de escorregar, nas mãos um suor cálido, na cin­tura uma fita apertando, puxando-a como um leve guindaste para cima. Depois o cheiro das fazendas novas, o olhar brilhante e curioso de um homem atravessando-a e deixando-lhe, como se tivesse com­primido um botão no escuro, o corpo iluminado. Ela era percorrida por longos músculos inteiros. Qual­quer pensamento descia por essas cordas polidas até tremer ali, nos tornozelos, onde a carne era macia como a de um frango.
[...]
Olhava-o misteriosamente, séria e terna. E agora procurava emocionar-se pensando nos dois futuros mortos.
Encostou a cabeça no seu peito e lá um cora­ção batia. Pensou: mas mesmo assim, apesar da morte, vou deixá-lo um dia. Conhecia bem o pen­samento que lhe poderia vir, fortalecendo-a, se an­tes de deixá-lo se comovesse: "Eu tirei tudo o que poderia ter. Não o odeio, não o desprezo. Por que procurá-lo, mesmo que o ame? Não gosto tanto de mim a ponto de gostar das coisas de que eu gosto. Amo mais o que quero do que a mim mesma". Oh, sabia igualmente que a verdade poderia estar no contrário do que pensara. Abandonou a cabeça, comprimiu a testa na camisa branca de Otávio. Aos poucos, muito de leve, foi-se apagando a idéia de morte e já não encontrava de que rir. Seu coração era maciamente moldado. Com o ouvido ela sabia que o outro, indiferente a tudo, prosseguia nas suas batidas regulares, no seu caminho fatal. O mar.
— Adiar, só adiar, pensou Joana antes de dei­xar de pensar. Porque os últimos cubos de gelo ha­viam-se derretido e agora ela era tristemente uma mulher feliz.

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