Quero Escrever o Borrão Vermelho de Sangue

sexta-feira, abril 30, 2010

Quero escrever o borrão vermelho de sangue
com as gotas e coágulos pingando
de dentro para dentro.
Quero escrever amarelo-ouro
com raios de translucidez.
Que não me entendam
pouco-se-me-dá.
Nada tenho a perder.
Jogo tudo na violência
que sempre me povoou,
o grito áspero e agudo e prolongado,
o grito que eu,
por falso respeito humano,
não dei.

Mas aqui vai o meu berro
me rasgando as profundas entranhas
de onde brota o estertor ambicionado.
Quero abarcar o mundo
com o terremoto causado pelo grito.
O clímax de minha vida será a morte.

Quero escrever noções
sem o uso abusivo da palavra.
Só me resta ficar nua:
nada tenho mais a perder.

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Os poemas desta página são resultado do arranjo em versos, feito pelo padre Antônio Damázio, de textos em prosa da extraordinária escritora Clarice Lispector.É bom que se diga que Clarice apesar de escrever de forma não versificada, era poeta verdadeira, pois como diz Benedicto Ferri de Barros não basta ao texto estar quebrado em linhas para ser poesia. Clarice fazia poesia sem quebrar as linhas.Uma pena que o padre sumiu, não sei onde lhe andam as alpercatas, porque seria muito válido pedir a ele que indicasse a origem dos textos que arranjou de forma tão feliz.

Adaptado do Jornal de Poesia.

16 Clariceanos