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Mostrando postagens de janeiro, 2013

Do Rio de Janeiro e seus personagens - Uma coisa

Novas publicações no Blog: o livro "Do Rio de Janeiro e seus personagens – Crônicas para jovens" é organizado por Pedro Karp Vasquez. Clarice Lispector, página 33: Eu vi uma coisa. Coisa mesmo. Eram dez horas da noite na Praça Tiradentes e o táxi corria. Então eu vi uma rua que nunca mais vou esquecer. Não vou descrevê-la: ela é minha. Só posso dizer que estava vazia e eram dez horas da noite. Nada mais. Fui porém germinada. Como cronista, Clarice Lispector sempre procurou seus temas nas ruas da cidade ou em conversas com seus mais bem informados habitantes. Em Do Rio de Janeiro e seus personagens – Crônicas para jovens, a autora conduz o jovem leitor a um instigante passeio pela Cidade Maravilhosa por meio de suas crônicas. Nessa coletânea de crônicas – terceira de uma coleção que reúne textos de Clarice por temas, com o objetivo de apresentar a faceta cronista de umas das maiores escritoras brasileiras às novas gerações –, o leitor conhecerá tanto o Rio pessoal ...

A Maçã no Escuro

Primeira parte: Como se faz um homem Dez Quanto a Martim, ele tinha tempo. Na verdade parecia ter descoberto o tempo. No fim do dia largava o trabalho no campo e ia ao curral. Com a mesma serena avidez com que ia antes ao terreno do depósito. E livre enfim da iminência de ordens de Vitória, livre da presença cada vez mais assediante de Ermelinda — o homem cada dia retomava no curral o instante interrompido do dia anterior, unindo num tema à parte os instantes esparsos que passava com as vacas, e deles fazendo a única seqüência. “Como eu ia sentindo...”, parecia ele pensar ao entrar no curral — e continuava o que interrompera. O escuro calor das vacas enchia o ar do curral. E como se alguma coisa que nenhuma pessoa e nenhuma consciência lhe pudesse dar, ali no curral lhe fosse dado — ele o recebia. O cheiro sufocante era o do sangue vagaroso nos corpos dos bichos. Não mais o intenso sono das plantas, não mais a mes-quinha prudência em sobreviver que havia nos ratos ariscos. Mas...