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Cartas

Carta de Carlos Drummond de Andrade

Carlos Drummond de Andrade
Rio, 18.8.75
Clarice, querida:
Ler ou reler você é sempre uma operação feliz: descobrem-se coisas, aprimora-se o conhecimento das descobertas. Senti isto percorrendo De corpo inteiro e Visão do esplendor. Obrigado, amiga!

O abraço, a admiração, o carinho do

Drummond
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Carta de Rubem Braga


Rubem Braga
Rio, 23 de maio de 1953
Clarice
Felicidades para você, Maury, Pedro e Paulo, com saudações especiais para este, que é o motivo, ou pretexto, da carta. Nosso Comício, v. viu, morreu assim que Thereza Quadros partiu. Sem a influição sutil de sua presença na cidade, o pobre jornalzinho se foi. Não o choremos, que morreu como nasceu, muito vivo, desleixado, alegre, às vezes malcriado, no fundo talvez sério, em todo caso sempre livre. A gente que trabalhava aqui se espalhou, uma parte foi para a Manchete, que melhorou muito, outra parte foi fazer Flan, do Samuel Wainer, que deve sair esse mês. Meio desempregado, enfrentei o verão (o maior de que tenho lembrança, e continua ainda) em meu novo e pequeno apartamento, e me entreguei à praia, ao uísque e aos levianos amores com estranha voracidade. Agora estou um tanto cansado – inclusive do Rio e do apartamento – e crivado de dívidas. Para conjurá-las em parte vou fazer um livro de crônicas (A borboleta amarela) do qual tirarei uma edição de luxo a um conto o exemplar. O livro está sendo feito e ilustrado pelo Carybé, na Bahia, o [que] quer dizer que sairá mesmo bonito. Pagando uma parte de minhas dívidas, através dessa espécie de tungação de meus leitores mais burgueses, espero ficar um pouco mais livre, poder viajar. Vamos ver se o dólar baixa, está a 45 cruzeiros hoje! Em último caso viajarei pelo Brasil, o que sempre me agradou. (...) Gostei muito do Raul De Vicenzi, que andou por aqui. V. conhece a Vera Nascimento? Tenho muitas saudades dela e gostaria de lhe escrever, mas não sei para que endereço. (...) Recebi carta do Lauro Escorel. Por favor, diga e ele que farei o possível, mas praticamente nada se pode fazer antes dele chegar. Em todo caso, tocarei no assunto com Paulo Bittencourt. De qualquer modo o meio de imprensa está muito melhor, financeiramente, agora do que quando ele saiu daqui. Abraço para ele e Sarita. Meu filho fez 15 anos, está forte, teve boas férias e com mania de aviação. Zora vai bem. Graciliano foi enterrado sábado. Morto, era completamente igual a Dante Alighieri. Diga o que interessa a você aqui – livros, recortes de jornal, revistas, o que for, que mandarei. Para mim é fácil pois tenho uma secretária e um boy. Não faça mesmo nenhuma cerimônia, e transmita aos amigos citados acima – e ao prezado Lôlô – este oferecimento. E me conte a vida de você aí, o que faz, o que pensa. Agora parece que já posso entrar no States (nova orientação do Departamento) e não deixarei de fazê-lo na primeira chance, que talvez seja uma viagem ao Japão via S. Francisco (inauguração de uma linha aérea Tóquio-Rio, para a qual fui convidado, mas o dia ainda ao está marcado). Isto são planos vagos, pois como disse acima estou praticamente preso ao Rio por dívidas. Das quais não me arrependo pois passei uma boa, alegre temporada, que me fez bem. Mas vejo que estou chateando v. com meus problemas e planos. Dizem que o livro da Cecília Meireles é uma beleza, ainda não li. V. o recebeu? Diga, que mandarei, se v. quiser. Tati vai bem, trabalha muito, parece que tem um discreto amor, o que é menos mal: Suzana operou-se do [.] e eu a “abafei” completamente de emoção mandando-lhe umas orquídeas para a casa de saúde. Ela e Pedro vão bem. Tudo isso, Clarice, é para lhe dizer de meu afeto, e saudades. Escreva, por favor. Grande abraço para o Maury.

Rubem

Rubem Braga
Rua Prudente de Morais, 599 apart. 501
Ipanema: RIO – 27 – 7174.

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Carta de Lygia Fagundes Telles

Lygia Fagundes Telles
25.11.77

Minha querida
Clarice,
Queria apenas dizer-lhe que seu livro A hora da estrela é muito belo e que você é muito amada. Segui seu conselho, comprei roupas claras (de preferência, o branco, você disse) e cortei o cabelo. Acho que recomeço a viver, vamos recomeçar juntas? Se eu for aí passar o Natal com meu irmão, quero te levar um pente (como aquele que te dei, outras cores) e te dar um beijo.
Lygia
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Cartas de Fernado Sabino
Fernando Sabino
Nova York, 06 de julho de 1946.

Clarice,
Porisso (sic) não te posso mandar nenhuma palavra animadora. Digo apenas que não concordo com você quando você diz que faz arte apenas porque “tem um temperamento infeliz e doidinho”. Tenho uma grande, uma enorme esperança em você e já te disse que você avançou na frente de nós todos, passou pela janela, na frente deles todos. Apenas desejo intensamente que você não avance demais para não cair do outro lado. Você tem de ser equilibrista até o fim da vida. E suando muito, apertando o cabo da sombrinha aberta, com medo de cair, olhando a distância do arame já percorrido e do arame a percorrer — e sempre tendo de exibir para o público um falso sorriso de calma e facilidade. Tem de fazer isso todos os dias, para os outros como se na vida não tivesse feito outra coisa, para você como se fosse sempre a primeira vez, e a mais perigosa. Do contrário seu número será um fracasso.

Fernando.

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Fernando Sabino
Rio de Janeiro, 27 de outubro de 1953
Clarice,
Gostei de saber que você está com a alma mais sossegada. O sentimento de grandeza que você acha que está perdendo talvez agora é que você esteja adquirindo. Sua predisposição para ficar calada não é propriamente uma novidade: a novidade é estar aceitando, inclusive, o silêncio. É bom isso, dá mais paciência, mais compreensão, dá mais sentimento às coisas — e dá grandeza.

Fernando.

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