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A Hora da Estrela (trecho)

Devo dizer que essa moça não tem consciência de mim, se tivesse teria para quem rezar e seria a salvação.
Mas eu tenho plena consciência dela: através dessa jovem dou o meu grito de horror à vida. A vida que tanto amo.
Volto à moça: o luxo que se dava era tomar um gole frio de café antes de dormir. Pagava o luxo tendo azia ao acordar.
Ela era calada (por não ter o que dizer) mas gostava de ruídos. Eram vida. Enquanto o silêncio da noite assustava: parecia que estava prestes a dizer uma palavra fatal. Durante a noite na rua do Acre era raro passar um carro, quanto mais buzinassem; melhor para ela. Além desses medos, como se não bastassem, tinha medo grande de pegar doença ruim lá embaixo dela - isso, a tia lhe ensinara. Embora os seus pequenos óvulos tão murchos. Tão, tão. Mas vivia em tanta mesmice que de noite não se lembrava do que acontecera de manhã. Vagamente pensava de muito longe e sem palavras o seguinte: já que sou, o jeito é ser. [...]

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