Os dois mais murmuravam que conversavam: havia pouco iniciara-se o namoro e ambos andavam tontos, era o amor. Amor com o que vem junto: ciúme. - Está bem, acredito que sou a sua primeira namorada, fico feliz com isso. Mas me diga a verdade, só a verdade: você nunca beijou uma mulher antes de me beijar? Ele foi simples: - Sim, já beijei antes uma mulher. - Quem era ela? perguntou com dor. Ele tentou contar toscamente, não sabia como dizer. O ônibus da excursão subia lentamente a serra. Ele, um dos garotos no meio da garotada em algazarra, deixava a brisa fresca bater-lhe no rosto e entrar-lhe pelos cabelos com dedos longos, finos e sem peso como os de uma mãe. Ficar às vezes quieto, sem quase pensar, e apenas sentir - era tão bom. A concentração no sentir era difícil no meio da balbúrdia dos companheiros. E mesmo a sede começara: brincar com a turma, falar bem alto, mais alto que o barulho do motor, rir, gritar, pensar, sentir, puxa vida! como deixava a garganta seca. E nem sombra de ág...
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É estranho como não se fala sobre nosso silêncio interior.
Temos um misto de vergonha e medo, porque ele é inexplicável e acreditamos que o outro não nos vai entender, pois, mesmo que também o tenha, não admitirá.
Mas, chega o momento em que se aceita o silêncio como o destino final da jornada vivida e, amparado pela coragem, se entra nele e vive o silêncio como se tudo vivido antes fosse um ensaio para o que se viveria agora.
O silêncio total, o vasto silêncio de quando nos deixamos reconhecer, só chega quando nada mais pode atrapalhá-lo e ele, introspectivo, não sente temor de se mostrar e se assumir como realmente é.
Ocorre o medo de ter o desabrochar, despertado pelo silêncio, interrompido por algum som desavisado que se propaga no mundo exterior, mas não repercute em nosso interior.
E então o silêncio chega, aquele silêncio que, nas horas de maior ardor, imaginamos como o amante proibido e que se revela como nosso algoz, pois não chega para a troca de confidências e sim para nos fazer calar, enquanto aperta sem piedade nossas feridas.
Mas, o dia raiará novamente e o silêncio irá dormir, e sua passagem pela noite será apenas uma lembrança a espiá-lo pela fresta de uma memória sentida, do tempo passado em comunicação aterrorizadora consigo mesmo. E, nesse momento, o silêncio será mais um fantasma dentre tantos na vida.
Autoria: Fá Fioretti
Contato: http://devoradoradehistorias.blogspot.com/
Não, nunca me acontecem milagres. Ouço falar, e às vezes isso me basta como esperança. Mas também me revolta: por que não a mim? por que só de ouvir falar? Pois já cheguei a ouvir conversa assim, sobre milagres: "Avisou-me que, ao ser dita determinada palavra, um objeto de estimação se quebraria." Meus objetos se quebram banalmente e pelas mãos das empregadas. Até que fui obrigada a chegar à conclusão que sou daqueles que rolam pedras durante séculos, e não daqueles para os quais os seixos já vêm prontos, polidos e brancos.Bem que tento visões fugitivas antes de adormecer - seria milagre? Mas já me foi tranquilamente explicado que isso até nometem: cidetismo, capacidade de projetar no campo alucinatório as imagens inconcientes.
Milagre, não. Mas as coincidências. Vivo de concidências, vivo de linhas que incidem uma na outra e se cruzam e no cruzamento formam um leve e instantâneo ponto, tão leve o instantâneo que mais é feito de pudor e segredo: mal eu falasse nele, já estaria falando em nada.
Mas tenho um milagre, sim. O milagre das folhas. Estou andando pela rua e do vento me cai uma folha exatamente nos cabelos. A incidência da linha de milhões de folhas transformadas em uma única, e de milhões de pessoas a incidência de reduzi-las a mim. Isso me acontece tantas vezes que passei a me considerar modestamente a escolhida das folhas.
Com gestos furtivos tiro a folha dos cabelos e guardo-a na bolsa, como o mais diminuto diamante. Até que um dia, abrindo a bolsa, encontro entre os objetos a folha seca, engelhada, morta. Jogo-a fora: não me interessa fetiche morto como lembrança. E também porque sei que novas folhas concidirão comigo.
Um dia uma folha me bateu nos cílios. Achei Deus de uma grande delicadeza.
Clarice Lispector
Cravo em ti as lanças de minhas incertezas, tão carregadas de desejo que chego a me odiar.
Cravo em teu peito o rancor do amor, os beijos banhados no vinho da tua essência divinal e do teu seio paternal.
Os dias passam e nas longas horas em que divago em delírios chego a caminhar no precipício do seu corpo e nas ondas da sua alma, só para que do alto o vento alcance minhas volúpias de você;
Para que enfim eu possa ver o mundo, sem a venda nos olhos.
Sem que a sua imagem me impeça de voar, de chegar mais perto de uma liberdade que mesmo utópica, é necessária.
O desejo é perecível... o amor é ilusório... mas o precipício entre nós é real e indissoluto
Só me falta a coragem de aceitar.
Juliana.
Na etéria essência do teu ser,
Te vi amadurecer...
Da tua alma cândida vi o alvorecer,
Como num pincho desejos florescer...
Mergulhando no infinito desconhecido,
Teu ser procurando meu ser...
Imponderavelmente busquei teu sorriso divino,
pra não te esquecer...
E como numa espiral que fluíam agonias,
Eu flor de Lis,na volúpia da noite juntei-me a você.