Primeira parte: Como se faz um homem
Três
Três
De tardinha Martim começou a imaginar — pela qualida¬de da terra mais fina e pelo encontro eventual de árvores com frutas — que se aproximava talvez de algum povoado. Tentou comer uma das frutas desconhecidas que, verdes e sem sumo, apenas lhe arranharam a boca ávida. Mas um ar mais fresco soprava, e trazia cheiro de água corrente. A terra ali era mais negra. E o encontro de samambaiaçu lhe deu uma sensação de molhado que arrepiou em lubricidade suas costas secas.
O próprio silêncio se tornara diferente. Embora o homem não percebesse nenhum som, os passarinhos voavam mais agi¬tados como se ouvissem o que ele não ouvia. O homem parou atento. Havia um deslocamento de ar como se um dinossauro se transladasse lento em alguma parte do globo.
E, continuando a andar, por vezes o vento lhe trazia um clamor vago, uma reivindicação mais intensa. Era um alarme de vida que delicadamente alertou o homem. Mas com o qual ele nada soube fazer como se visse uma flor se entreabrir e apenas olhasse.
Martim mal e mal constatou a própria sensação, tendo o cuidado de não constatar demais e deixar de perceber. O des¬feito alarido lhe chegava como se de muito longe lhe soprassem perto do ouvido: foi esta a obscura noção de distância que ele teve, e parou farejando. Embaraçadamente entregue ao recurso de si mesmo, parecia tentar usar o próprio desamparo como bússola. Experimentou calcular se estaria perto ou infinitamente longe daquilo que acontecia em algum lugar. Mas parava, e de novo o silêncio do sol se refazia e o desorientava.
[...]
Com que sentido o homem cansado o percebeu, não se sabe dizer, talvez com a aguda sede e com sua derradeira desis¬tência e com a nudez de sua incompreensão: mas havia júbilo no ar. Que na verdade lhe foi tão inassimilável quanto aquele azul quase inventado do céu e que, como todo azul suavíssimo, terminou por tonteá-lo em glória tola e em nobre glória. A ar¬madura interior do homem faiscou. Inatingível, sim, mas havia júbilo no ar como lhe tinha sido prometido alguma vez em pro¬cissões ou em algum rosto quieto de mulher ou na idéia de um dia alcançar que termina por precipitar o alcance. E àquele homem, que era um exagerado, pareceu que por assim dizer trabalhara duramente para chegar a essa coisa valiosa e inútil. Seria um sorriso imbecil o seu, se um espelho o refletisse.
O próprio silêncio se tornara diferente. Embora o homem não percebesse nenhum som, os passarinhos voavam mais agi¬tados como se ouvissem o que ele não ouvia. O homem parou atento. Havia um deslocamento de ar como se um dinossauro se transladasse lento em alguma parte do globo.
E, continuando a andar, por vezes o vento lhe trazia um clamor vago, uma reivindicação mais intensa. Era um alarme de vida que delicadamente alertou o homem. Mas com o qual ele nada soube fazer como se visse uma flor se entreabrir e apenas olhasse.
Martim mal e mal constatou a própria sensação, tendo o cuidado de não constatar demais e deixar de perceber. O des¬feito alarido lhe chegava como se de muito longe lhe soprassem perto do ouvido: foi esta a obscura noção de distância que ele teve, e parou farejando. Embaraçadamente entregue ao recurso de si mesmo, parecia tentar usar o próprio desamparo como bússola. Experimentou calcular se estaria perto ou infinitamente longe daquilo que acontecia em algum lugar. Mas parava, e de novo o silêncio do sol se refazia e o desorientava.
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Com que sentido o homem cansado o percebeu, não se sabe dizer, talvez com a aguda sede e com sua derradeira desis¬tência e com a nudez de sua incompreensão: mas havia júbilo no ar. Que na verdade lhe foi tão inassimilável quanto aquele azul quase inventado do céu e que, como todo azul suavíssimo, terminou por tonteá-lo em glória tola e em nobre glória. A ar¬madura interior do homem faiscou. Inatingível, sim, mas havia júbilo no ar como lhe tinha sido prometido alguma vez em pro¬cissões ou em algum rosto quieto de mulher ou na idéia de um dia alcançar que termina por precipitar o alcance. E àquele homem, que era um exagerado, pareceu que por assim dizer trabalhara duramente para chegar a essa coisa valiosa e inútil. Seria um sorriso imbecil o seu, se um espelho o refletisse.
Comentários
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Posso aproveitar para divulgar meu blog? Escrevo sobre temas variados, em forma de crônicas, contos, reflexões..
www.meioissomeioaquilo.blogspot.com
Até!
Ainda não sei como descobri esse blog somente hoje. Muito bom ter Clarice assim a um click de distância.
Linkado e favoritado :-)
Adorei.
abraços clariceanos.
penetra surdamente no reino das palavras -- http://consideracaodopoema.blogspot.com/
Amei o seu blog!!! Ele é muito fofo, te adicionei me adiciona também !!
http://lettymorenaa.blogspot.com/
Abração pra você !!