Faz hoje 95 anos do nascimento de Clarice Lispector, ocorrido numa aldeia ucraniana; ela recebeu o nome de Haia Lispector (modificado para "Clarice" quando a família chegou ao Brasil, em 1922).
Não consigo escolher somente um texto para comemorar esta data, mas este trecho está entre os meus favoritos:
"Existe um ser que mora dentro de mim como se fosse a casa dele, e é. Trata-se de um cavalo preto e lustroso que apesar de inteiramente selvagem – pois nunca morou antes em ninguém nem jamais lhe puseram rédeas nem sela – apesar de inteiramente selvagem tem por isso mesmo uma doçura primeira de quem não tem medo: come às vezes na minha mão. O seu focinho é úmido e fresco. Eu beijo o seu focinho. Quando eu morrer, o cavalo preto ficará sem casa e vai sofrer muito. A menos que ele escolha outra casa e que esta casa não tenha medo daquilo que é ao mesmo tempo selvagem e suave. Aviso que o cavalo não tem nome. Basta chamá-lo e acerta-se logo com o nome. Ou não se acerta, mas uma vez chamado com doçura e autoridade, ele vai. Se ele fareja e sente que um corpo-casa é livre, ele trota sem ruídos e vai. Aviso também que não se deve temer o seu relinchar: as pessoas enganam-se e pensam que são elas mesmas que estão a relinchar de prazer ou de cólera, as pessoas assustam-se com o excesso de doçura do que é isto pela primeira vez".
Fonte: Uma aprendizagem ou o Livro dos Prazeres (1969).
A Hora de Clarice é um evento organizado pelo IMS para celebrar o aniversário da escritora Clarice Lispector.
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Entrevista com a atriz Rita Elmôr, que interpreta Clarice em espetáculo teatral
quinta-feira, novembro 05, 2015
Rita Elmôr: Começou quando eu tinha 23 anos e ganhei de presente dois livros de Clarice, "Perto do Coração Selvagem” e "A Descoberta do Mundo". Quando comecei a ler, me senti imediatamente íntima dela. Parecia que eu estava sendo apresentada a uma amiga que se tornaria uma amiga-irmã. Sabe aquela sensação boa de encontrar alguém que enxerga as coisas de um jeito parecido com o seu? Agora imagine essa sensação quando você se sente péssima justamente por achar que você enxerga as coisas de um jeito bem esquisito. Encontrar uma igual foi um oásis. Desde criança tenho um sentimento de inadequação, que persistiu na fase adulta. Por causa do meu jeito desencaixado, eu tentava ser do jeito dos outros, mas sempre dava errado, era patético e eu me sentia ainda pior. Entrar em contato com a obra da Clarice me ajudou muito. Continuei a ser desencaixada, mas uma desencaixada que se aceita, afinal de contas, a Clarice soube usar o desencaixe dela como ninguém. Vi que era possível! Pode reparar, todos os desencaixados amam Clarice. Nós formamos uma irmandade.
Claure comunicação: Por que decidiu voltar a interpretar a escritora?
Rita Elmôr: A Clarice foi a primeira personagem que interpretei profissionalmente. Me formei na faculdade de teatro e montei a peça "Que Mistérios Tem Clarice"com o dinheiro que ganhei do seguro após a perda total do meu carro numa enchente no Rio de Janeiro. Nesse meio tempo, 17 anos depois, se eu misturar teatro, televisão e cinema, posso dizer que interpretei quase trinta personagens. Voltar à Clarice depois de tudo isso está sendo muito interessante. Costumo fazer personagens tão distintos e com caracterização física tão forte que as pessoas sentem dificuldade em me associar a trabalhos diferentes. Mas dessa vez, algo novo e curioso aconteceu. Quando comecei a trabalhar na adaptação, ler e selecionar os textos, adequar a linguagem, escrever os textos de ligação e por fim encontrar o eixo da peça, ficou claro para mim e para o diretor, Rubens Camelo, que dessa vez não haveria a necessidade de nenhuma caracterização, que dessa vez eu estaria no palco como Rita. O curioso é que o texto da Clarice ficou mais vivo do que nunca. Acho que só com alguma quilometragem e um pouco de maturidade artística se torna possível estar no palco sem a proteção de um personagem. Pelo menos, no meu caso, está sendo assim. Talvez por isso eu esteja vendo esse trabalho como um recomeço na carreira.
Claure comunicação: Fale sobre as imagens e a repercussão relativas à semelhança entre as duas.
Rita Elmôr: Já faz muito tempo que vejo as fotos da minha primeira montagem, fotos em que estou caracterizada como Clarice, serem confundidas com as fotos da própria Clarice. No início levei um susto. A primeira vez que isso aconteceu foi quando saiu uma foto enorme na capa do caderno de cultura do extinto Jornal do Brasil. De lá pra cá já apareci em capas de revistas de literatura, em jornais da Holanda, Nova York, Espanha, Berlim. A Clarice também ganhou um novo rosto. O meu. No início achei engraçado, não tinha me dado conta do poder de propagação das redes sociais, mas depois, quando as minha fotos viralizaram me senti roubada. É uma sensação muito estranha quando o seu rosto deixar de ser seu. O pior era quando aparecia a minha foto, um texto de Cecilia Meirelis e a assinatura da Clarice Lispector com 30.000 curtidas. Eu não sabia se ria ou chorava. Depois me acostumei. Aonde tinha Clarice lá estava a minha cara. Quando resolvi montar a nova peça achei que seria interessante usar essa história como ponto de partida. A peça é uma metáfora do que a vida fez com a nossa imagem, nós duas viramos a mesma pessoa. Agora isso vai acontecer no palco.
Claure comunicação: Quem fez a redação do texto atual?
Rita Elmôr: "Clarice e Eu. O Mundo não é chato" é uma peça com textos de Clarice Lispector adaptados por mim. Há textos meus, que falam da minha primeira montagem. Além desses, há breves textos de ligação, que fazem o espectador se perguntar: Quem está falando agora? É a Rita ou a Clarice? Mesmo assim, posso afirmar que a peça é basicamente uma adaptação de textos de Clarice para o teatro.
Claure comunicação: Qual a essência dele?
Rita Elmôr: A Clarice tem uma obra muito grande. É possível fazer inúmeros recortes. A primeira decisão que tomei para a adaptação foi sobre o que eu não queria que entrasse no texto. Eu não queria que fosse uma peça auto biográfica, não queria falar sobre as suas angústias mais pungentes e não queria falar sobre o seu doloroso processo de criação. Senti vontade de fazer uma peça que levasse luz às suas reflexões criadas a partir de encontros transformadores entre pessoas. O humor foi determinante na seleção dos textos. A meu ver, esse recorte facilita a relação do público com a obra de Clarice e torna possível brincar com a fusão entre atriz e autora. O desafio dessa adaptação foi o de criar uma comunicação simples, direta, sem empobrecer o texto, mas unicamente com o objetivo de tornar o espetáculo atraente tanto para os que conhecem Clarice, quanto para aqueles que nunca leram um livro inteiro na vida. É uma peça democrática. Não é Clarice para poucos. O mais surpreendente é que encontrei um material enorme que atendeu o meu desejo. Podem até não gostar da peça, mas ninguém vai sair do teatro dizendo que Clarice é uma escritora difícil. Isso eu posso afirmar.
Entrevista realizada por: Claure comunicação.
Peça com atriz Rita Elmôr será apresentada no Teatro Bom Jesus nos dias 7 e 8 de novembro.
"Clarice e eu. O mundo não é chato" é uma adaptação para o teatro de textos de Clarice Lispector, feita por Rita Elmôr. Textos da atriz também são inseridos ao longo da peça. Ela conta como iniciou a carreira interpretando Clarice Lispector em um monólogo, destacando o fato das fotos da personagem serem frequentemente confundidas com as fotos da escritora, chegando mesmo a estampar capas de revistas especializadas em literatura e a figurar em jornais internacionais. De forma quase imperceptível, o texto da atriz funde-se aos textos da escritora, e o fato inusitado da imagem de uma ser confundida com a imagem da outra se reproduz no plano linguístico.
A adaptação priorizou os textos em que Clarice revela, com seu humor inteligente, maneiras mais criativas de levar a vida. O recorte escolhido foi o do comportamento humano diante de situações constrangedoras e engraçadas. A peça faz um passeio pela obra da escritora, priorizando crônicas, contos, cartas e trechos de livros que ressaltam a faceta mais bem humorada de Clarice Lispector, ainda pouco explorada. O resultado final é surpreendentemente leve, embora alguns textos selecionados apresentem o olhar crítico da escritora para dramas sociais que remetem à questões políticas contemporâneas. A atriz e a autora se misturam em suas experiências, deixando o espectador atento para captar o olhar generoso e agudo de Clarice.
Sobre o processo
Em 1998 a atriz Rita Elmôr fez um monólogo com textos de Clarice Lispector intitulado "Que Mistérios têm Clarice"que privilegiou o processo de criação, a biografia da escritora e a caracterização física da intérprete. Nesse espetáculo, que foi a primeira peça profissional de sua carreira, Rita foi indicada ao prêmio Shell de melhor atriz.
Dezessete anos depois, surgiu a ideia de montar um novo espetáculo sobre Clarice, mas dessa vez, em"Clarice e Eu. O Mundo não é chato,"o relato da atriz sobre a sua experiência na primeira montagem serve apenas como ponto de partida para uma nova tradução de Clarice.
Serviço:
"Clarice e eu. O mundo não é chato"
Dias: 7 de novembro, às 21h, e 8 de novembro, às 20h.
Local: Teatro Bom Jesus (Rua 24 de Maio, 135. Centro. Curitiba-PR)
Ingresso: R$ 86,00 (inteira), R$ 46,00 (meia), disponível em www.diskingressos.com.br.
Informações: Oxigene Cultural - (41)3273-1200 (41)9611-5622
Texto: Clarice Lispector
Adaptação: Rita Elmôr
Elenco: Rita Elmôr
Direção: Rubens Camelo
Assistente de direção: Radha Barcelos
Trilha Sonora: Marcelo Neves
Figurino: Mel Akerman
Cenário e Iluminação: Paulo Denizot
Produção Local: Oxigene Cultural
Assessoria de Imprensa: Diogo Cavazotti Comunicação
Web: Claure Comunicação
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1.500.000,00 visitas. Blog Oficial Clarice Lispector.
Pelo doce e inocente puro gosto pela literatura eis que de repente deparei-me com o grande peso da responsabilidade, não menos pura, contudo. Há 8 anos introjetei a necessidade de algumas palavras diárias de Clarice Lispector.
Inesperadamente, e para minha felicidade, tal introjeção se tornou a necessidade de um assombroso número de pessoas e da Editora Rocco, que apoiou o projeto...
E sem que eu percebesse surgia a página mais visitada do mundo sobre “flor de lis”, em nome comum mesmo, tal como Clarice se autodenominava...
Estranho, não?
Aliás, que palavra será mais bonita que “estranho”?
Duzentas pessoas compareceram ao enterro da escritora Clarice Lispector no Cemitério Comunal Israelita, no Caju (RIO). Seu corpo, velado desde sexta-feira no oratório do cemitério, foi colocado no túmulo 123, da fila G. depois de ter sido purificado por quatro mulheres da Irmandade Sagrada "Hevra Kadisha", de acordo com o ritual judaico. O caixão fechado e coberto apenas por um manto negro com uma estrela de David, bordada, foi visitado pelos escritores Rubem Braga, Fernando Sabino, Nélida Piñon e José Rubem Fonseca, além do embaixador Vasco Leitão da Cunha.
Clarice, um enterro simples
O corpo de Clarice Lispector ficou no cemitério Comunal Israelita
Numa cerimonia simples, sem discursos, na qual a família chegou até a dispensar a presença do grão-rabino Henrique Lemle, substituido pelo cantor-mór Joseph Aronsohn, a escritora e jornalista Clarice Lispector - ela completaria anteontem 53 anos de idade - foi sepultada ontem no Cemitério Comunal Israelita, no Caju. Cerca de 200 pessoas, entre parentes e amigos, acompanharam o corpo - velado desde sexta-feira no oratório do Cemitério - até o túmulo 123, da fila G, onde ao lado, repousa o corpo do deputado Francisco Silbert Sobrinho.
Antes de ser enterrado o corpo da escritora, de acordo com o ritual judaico, foi purificado, sendo lavado, interna e externamente, por quatro mulheres da Irmandade sagrada "Havra Kadisha". No oratório, o caixão, fechado, coberto apenas por um manto negro com uma Estrela de David bordada em prateado foi visitado pelos escritores Rubem Braga, Fernando Sabino, Nélida Piñon e José Rubem Fonseca e pelo embaixador Vasco Leitão da Cunha. Nélida Piñon e José Rubem Fonseca acompanharam Clarice nos seu últimos momentos no Hospital da Lagoa, onde a escritora morreu vitimada por um câncer.
Ainda no oratório, precisamente às 11 horas, o substituto do rabino deu início à liturgia lendo, em aramaico, o Salmo 91, do Artigo Testamento, seguido de cânticos em hebraico e de uma leitura, agora em português, de alguns Salmos. Ali, antes do caixão ser conduzido à sepultura, Joseph Aronsohn ainda fez a despedida do corpo, rezando o "El Molê Rachamim". De lá o caixão seguiu até o túmulo 123, onde o filho de Clarice, Paulo Gurgel Valente (o filho Pedro não compareceu por se encontrar com o pai, o embaixador Mauri Gurgel Valente, em Montevidéu) chorou, sendo constantemente amparado pelas tias Elvira e Tânia, também escritoras.
A beira do túmulo, Joseph Aronsohn, tendo ao lado Pedro Gurgel Valente, rezou o "Kadish" - oração fúnebre -, enquanto a última homenagem a Clarice Lispector era prestada com o lançamento de três pás de terra sobre o caixão, indicando que "da terra viestes, à terra voltarás". A cerimônia foi encerrada com o substituto do rabino pedindo aos presentes que se voltassem para a direita, em direção ao Oriente, indicando o sentido de Jerusalém.
A beira do túmulo, Joseph Aronsohn, tendo ao lado Pedro Gurgel Valente, rezou o "Kadish" - oração fúnebre -, enquanto a última homenagem a Clarice Lispector era prestada com o lançamento de três pás de terra sobre o caixão, indicando que "da terra viestes, à terra voltarás". A cerimônia foi encerrada com o substituto do rabino pedindo aos presentes que se voltassem para a direita, em direção ao Oriente, indicando o sentido de Jerusalém.
Esse texto, integralmente, foi retirado de:
Fonte: http://almanaque.folha.uol.com.br/ilustrada_12dez1977.htm