Como em tudo, no escrever também tenho uma espécie de receio de ir longe demais. Que será isso? Por que? Retenho-me, como se retivesse as rédeas de um cavalo que pudesse galopar e me levar Deus sabe onde. Eu me guardo. Por que e para quê? Para o que estou eu me poupando? Eu já tive clara consciência disso quando uma vez escrevi: "é preciso não ter medo de criar". Por que o medo? Medo de conhecer os limites de minha capacidade? Ou medo do aprendiz de feiticeiro que não sabia como parar? Quem sabe, assim como uma mulher que se guarda intocada para dar-se um dia ao amor, talvez eu queira morrer toda inteira para que Deus me tenha toda.
De manhã na cozinha sobre a mesa vejo o ovo. Olho o ovo com um só olhar. Imediatamente percebo que não se pode estar vendo um ovo. Ver o ovo nunca se mantêm no presente: mal vejo um ovo e já se torna ter visto o ovo há três milênios. – No próprio instante de se ver o ovo ele é a lembrança de um ovo. – Só vê o ovo quem já o tiver visto. – Ao ver o ovo é tarde demais: ovo visto, ovo perdido. – Ver o ovo é a promessa de um dia chegar a ver o ovo. – Olhar curto e indivisível; se é que há pensamento; não há; há o ovo. – Olhar é o necessário instrumento que, depois de usado, jogarei fora. Ficarei com o ovo. – O ovo não tem um si-mesmo. Individualmente ele não existe. Ver o ovo é impossível: o ovo é supervisível como há sons supersônicos. Ninguém é capaz de ver o ovo. O cão vê o ovo? Só as máquinas vêem o ovo. O guindaste vê o ovo. – Quando eu era antiga um ovo pousou no meu ombro. – O amor pelo ovo também não se sente. O amor pelo ovo é supersensível. A gente não sabe que ama o ovo. – Qu...
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