A Paixão Segundo G.H. (trecho)
domingo, maio 11, 2008Eu via o que aquilo dizia: aquilo não dizia nada. E recebia com atenção esse nada, recebia-o com o que havia dentro de meus olhos nas fotografias; só agora sei de como sempre estive recebendo o sinal mudo. Eu olhava o interior da área. Aquilo tudo era de uma riqueza inanimada que lembrava a da natureza: também ali poder-se-ia pesquisar urânio e dali poderia jorrar petróleo.
Eu estava vendo o que só teria sentido mais tarde - quero dizer, só mais tarde teria uma profunda falta de sentido. Só depois é que eu ia entender: o que parece falta de sentido - é o sentido. Todo momento de “falta de sentido” é exatamente a assustadora certeza de que ali há o sentido, e que não somente eu não alcanço, como não quero porque não tenho garantias. A falta de sentido só iria me assaltar mais tarde. Tomar consciência da falta de um sentido teria sido sempre o meu modo negativo de sentir o sentido? Fora a minha participação.
O que eu estava vendo naquele monstruoso interior de máquina, que era a área interna de meu edifício, o que eu estava vendo eram coisas feitas, eminentemente práticas e com finalidade prática.
Mas algo da natureza terrível geral - que mais tarde eu experimentaria em mim -, algo da natureza fatal saíra fatalmente das mãos da centena dos operários práticos que havia trabalhado canos de água e de esgoto, sem nenhum saber que estava erguendo aquela ruína egípcia para a qual eu agora olhava com o olhar de minhas fotografias de praia. Só depois eu saberia que tinha visto; só depois, ao ver o segredo, reconheci que já o vira.
Joguei o cigarro aceso para baixo, e recuei um passo, esperando esperta que nenhum vizinho me associasse ao gesto proibido pela portaria do edifício. Depois, com cuidado, avancei apenas a cabeça, e olhei: não podia adivinhar sequer onde o cigarro caíra. O despenhadeiro engolira-o em silêncio. Estava eu ali pensando? Pelo menos pensava em nada. Ou talvez na hipótese de algum vizinho me ter visto fazer o gesto proibido, que sobretudo, não combinava com a mulher educada que sou, o que me fazia sorrir.
Depois dirigi-me ao corredor escuro que se segue à área.
No corredor, que finaliza o apartamento, duas portas indistintas na sombra se defrontam: a da saída de serviço e a do quarto de empregada. O basfond de minha casa. Abri a porta para o amontoado de jornais e para as escuridões da sujeira e dos guardados.
Mas ao abrir a porta meus olhos se franziram em reverberação e desagrado físico.
É que em vez da penumbra confusa que esperara, eu esbarrava na visão de um quarto que era um quadrilátero de branca luz; meus olhos se protegeram franzindo-se.
Eu estava vendo o que só teria sentido mais tarde - quero dizer, só mais tarde teria uma profunda falta de sentido. Só depois é que eu ia entender: o que parece falta de sentido - é o sentido. Todo momento de “falta de sentido” é exatamente a assustadora certeza de que ali há o sentido, e que não somente eu não alcanço, como não quero porque não tenho garantias. A falta de sentido só iria me assaltar mais tarde. Tomar consciência da falta de um sentido teria sido sempre o meu modo negativo de sentir o sentido? Fora a minha participação.
O que eu estava vendo naquele monstruoso interior de máquina, que era a área interna de meu edifício, o que eu estava vendo eram coisas feitas, eminentemente práticas e com finalidade prática.
Mas algo da natureza terrível geral - que mais tarde eu experimentaria em mim -, algo da natureza fatal saíra fatalmente das mãos da centena dos operários práticos que havia trabalhado canos de água e de esgoto, sem nenhum saber que estava erguendo aquela ruína egípcia para a qual eu agora olhava com o olhar de minhas fotografias de praia. Só depois eu saberia que tinha visto; só depois, ao ver o segredo, reconheci que já o vira.
Joguei o cigarro aceso para baixo, e recuei um passo, esperando esperta que nenhum vizinho me associasse ao gesto proibido pela portaria do edifício. Depois, com cuidado, avancei apenas a cabeça, e olhei: não podia adivinhar sequer onde o cigarro caíra. O despenhadeiro engolira-o em silêncio. Estava eu ali pensando? Pelo menos pensava em nada. Ou talvez na hipótese de algum vizinho me ter visto fazer o gesto proibido, que sobretudo, não combinava com a mulher educada que sou, o que me fazia sorrir.
Depois dirigi-me ao corredor escuro que se segue à área.
No corredor, que finaliza o apartamento, duas portas indistintas na sombra se defrontam: a da saída de serviço e a do quarto de empregada. O basfond de minha casa. Abri a porta para o amontoado de jornais e para as escuridões da sujeira e dos guardados.
Mas ao abrir a porta meus olhos se franziram em reverberação e desagrado físico.
É que em vez da penumbra confusa que esperara, eu esbarrava na visão de um quarto que era um quadrilátero de branca luz; meus olhos se protegeram franzindo-se.
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