A Paixão Segundo G.H. (trecho)
terça-feira, maio 27, 2008Fechei os olhos, aguardando que a estranheza passasse, aguardando que meu arfar não fosse mais o daquele gemido que eu ouvira como vindo do fundo de uma cisterna seca e funda, assim como a barata era bicho de cisterna seca. Eu ainda continuava a sentir, incalculavelmente longínquo em mim, o gemido que já não me chegava mais à garganta.
Isto é a loucura, pensei de olhos fechados. Mas era tão inegável sentir aquele nascimento de dentro da poeira - que eu não podia senão seguir aquilo que eu bem sabia que não era loucura, era, meu Deus, uma verdade pior, a horrível. Mas horrível por quê? É que ela contrariava sem palavras tudo o que antes eu costumava pensar também sem palavras.
Aguardei que a estranheza passasse, que a saúde voltasse. Mas reconhecia, num esforço imemorial de memória, que já havia sentido essa estranheza: era a mesma que eu experimentava quando via fora de mim o meu próprio sangue, e eu o estranhava. Pois o sangue que eu via fora de mim, aquele sangue eu o estranhava com atração: ele era meu.
[...]
Isto é a loucura, pensei de olhos fechados. Mas era tão inegável sentir aquele nascimento de dentro da poeira - que eu não podia senão seguir aquilo que eu bem sabia que não era loucura, era, meu Deus, uma verdade pior, a horrível. Mas horrível por quê? É que ela contrariava sem palavras tudo o que antes eu costumava pensar também sem palavras.
Aguardei que a estranheza passasse, que a saúde voltasse. Mas reconhecia, num esforço imemorial de memória, que já havia sentido essa estranheza: era a mesma que eu experimentava quando via fora de mim o meu próprio sangue, e eu o estranhava. Pois o sangue que eu via fora de mim, aquele sangue eu o estranhava com atração: ele era meu.
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