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A Paixão Segundo G.H. (trecho)

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E tudo isto é neste próprio instante, é no já. Mas ao mesmo tempo o instante atual é todo remoto por causa do tamanho-grandeza do Deus. Por causa do enorme tamanho perpétuo é que, mesmo o que existe já, é remoto: no próprio instante em que se quebra no armário a barata, ela também é remota em relação ao seio da grande indiferença-interessada que a reabsorve impunemente.
A grandiosa indiferença - era isto o que estava existindo dentro de mim?
A grandeza infernal da vida: pois nem meu corpo me delimita, a misericórdia não vem fazer com que o corpo me delimite. No inferno, o corpo não me delimita, e a isso chamo de alma? Viver a vida que não é mais a de meu corpo - a isto eu chamo de alma impessoal?
E minha alma impessoal me queima. A grandiosa indiferença de um astro é a alma da barata, o astro é a própria exorbitância do corpo da barata. A barata e eu aspiramos a uma paz que não pode ser nossa - é uma paz além do tamanho e do destino dela e meu. E porque minha alma é tão ilimitada que já não é eu, e porque ela está tão além de mim - é que sempre sou remota a mim mesma, sou- me inalcançável como me é inalcançável um astro. Eu me contorço para conseguir alcançar o tempo atual que me rodeia, mas continuo remota em relação a este mesmo instante. O futuro, ai de mim, me é mais próximo que o instante já.
A barata e eu somos infernalmente livres porque a nossa matéria viva é maior que nós, somos infernalmente livres porque minha própria vida é tão pouco cabível dentro de meu corpo que não consigo usá-la. Minha vida é mais usada pela terra do que por mim, sou tão maior do que aquilo que eu chamava de “eu” que, somente tendo a vida do mundo, eu me teria. Seria necessário uma horda de baratas para fazer um ponto ligeiramente sensível no mundo - no entanto uma única barata, apenas pela sua atenção-vida, essa única barata é o mundo.
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