A Paixão Segundo G.H. (trecho)

domingo, junho 15, 2008

[...]
Provação. Agora entendo o que é provação. Provação:
significa que a vida está me provando. Mas provação: significa que eu também estou provando. E provar pode se transformar numa sede cada vez mais insaciável.
Espera por mim: vou te tirar do inferno a que desci. Ouve, ouve:
Pois do regozijo sem remissão, já estava nascendo em mim um soluço que mais parecia de alegria. Não era um soluço de dor, eu nunca o ouvira antes: era o de minha vida se partindo para me procriar. Naquelas areias do deserto eu estava começando a ser de uma delicadeza de primeira tímida oferenda, como a de uma flor. Que oferecia eu? que podia eu oferecer de mim - eu, que estava sendo o deserto, eu, que o havia pedido e tido?
Eu oferecia o soluço. Chorava enfim dentro de meu inferno. As asas mesmo do negror eu as uso e as suo, e as usava e suava para mim - que és Tu, tu, fulgor do silêncio. Eu não sou Tu, mas mim é Tu. Só por isso jamais poderei Te sentir direto: porque és mim.
Oh Deus, eu estava começando a entender com enorme surpresa: que minha orgia infernal era o próprio martírio humano.
[...]
Mas sei que ao mesmo tempo quero e não quero mais me conter. É como na agonia da morte: alguma coisa na morte quer se libertar e tem ao mesmo tempo medo de largar a segurança do corpo. Sei que é perigoso falar na falta de esperança, mas ouve - está havendo em mim uma alquimia profunda, e foi no fogo do inferno que ela se forjou. E isso me dá o direito maior: o de errar.

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