A Mulher que Matou os Peixes (trecho)
sábado, novembro 15, 2008Essa mulher que matou os peixes infelizmente sou eu. Mas juro a vocês que foi sem querer. Logo eu! Que não tenho coragem de matar uma coisa viva! Até deixo de matar uma barata ou outra.
Dou minha palavra de honra que sou pessoa de confiança e meu coração é doce: perto de mim nunca deixo criança ou bicho sofrer.
Pois logo eu matei dois peixinhos vermelhos que não fazem mal a ninguém e que não são ambiciosos: só querem mesmo é viver.
Pessoas também querem viver, mas infelizmente também aproveitar a vida para fazer alguma coisa de bom.
Não tenho coragem ainda de contar agora mesmo como aconteceu. Mas prometo que no fim deste livro contarei e vocês, que vão ler essa história triste, me perdoarão ou não.
Vocês hão de perguntar: por que só no fim do livro?
E eu respondo:
- É porque no começo e no meio vou contar algumas histórias de bichos que eu tive, só para vocês verem que eu só poderia ter matado os peixinhos sem querer.
Estou com esperança de que, no fim do livro, vocês já me conheçam melhor e me dêem o perdão que eu peço a propósito da morte de dois “vermelhinhos” – em casa chamávamos os peixes de “vermelhinhos”.
Eu sempre gostei de bichos. Tive uma infância rodeada de gatos. Eu tinha uma gata que de vez em quando paria uma ninhada de gatos. E eu não deixava se desfazerem de nenhum dos gatinhos.
O resultado é que a casa ficou alegre para mim, mas infernal para as pessoas grandes. Afinal, não agüentando mais os meus gatos, deram escondido de mim a gata com sua última ninhada.
Eu fiquei tão infeliz que adoeci com muita febre.
Então me deram um gato de pano para eu brincar.
Eu não liguei para ele, pois estava habituada a gatos vivos.
A febre só passou muito tempo depois.
[...]
Tenho esperanças de que até o fim do livro vocês possam me perdoar.
Antes de começar, quero que vocês saibam que meu nome é Clarice. E vocês, como se chamam? Digam baixinho o nome de vocês e meu coração vai ouvir.
[...]
Vocês ficaram tristes com a história? Vou fazer um pedido para vocês: todas as vezes que vocês sentirem solitários, isto é, sozinhos, procurem uma pessoa para conversar. Escolham uma pessoa grande que seja muito boa para crianças e que entenda que às vezes um menino ou uma menina estão sofrendo. Às vezes de pura saudade, como os periquitos australianos. Conheço uma moça que toca piano muito bem nos teatros. Essa moça ganhou de presente no dia do seu aniversário um periquito australiano. Só ganhou a fêmea. O pior é que as pessoas que dão um periquito australiano têm que comprar dois: um macho e uma fêmea que, por causa da raça deles, são tão amorosos que passam o dia se beijando e não podem ser separados. A periquita até adoeceu de tanta saudade do macho dela.
[...]
Bem, agora chegou a hora de falar sobre o meu crime: matei dois peixinhos. Juro que não foi de propósito. Juro que não foi muito culpa minha. Se fosse, eu dizia.
Meu filho foi viajar por um mês e mandou-me tomar conta de dois peixinhos vermelhos dentro do aquário.
Mas era tempo demais para deixarem os peixes comigo. Não é que eu não seja de confiança. Mas é que sou muito ocupada, porque também escrevo histórias para gente grande.
E assim como a mãe ou a empregada esquecem uma panela no fogo, e quando vão ver já se queimou toda a comida – eu estava também ocupada escrevendo história. E simplesmente fiz uma coisa parecida co deixar a comida queimar no fogo: esqueci três dias de dar comida aos peixes! Logo aqueles que eram tão comilões, coitados.
Além de dar comida, eu devia sempre trocar a água do aquário, para eles nadarem em água limpa.
E a comida não era qualquer uma: era comprada em lojas especiais. A comida parecia um pozinho horrível, mas devia ser gostoso para peixe porque eles comiam tudo.
Devem ter passado fome, igual gente. Mas nós falamos e reclamamos, o cachorro late, o gato mia, todos os animais falam por sons. Mas peixe é tão mudo como uma árvore e não tinha voz para reclamar e me chamar. E, quando fui ver, estavam parados, magros, vermelhinhos – e infelizmente já mortos de fome.
Vocês ficaram muito zangados comigo porque eu fiz isso? Então me dêem perdão. Eu também fiquei muito zangada com a minha distração. Mas era tarde demais para eu lamentar.
Eu peço muito que vocês me desculpem. Dagora em diante nunca mais ficarei distraída.
Vocês me perdoam?
Dou minha palavra de honra que sou pessoa de confiança e meu coração é doce: perto de mim nunca deixo criança ou bicho sofrer.
Pois logo eu matei dois peixinhos vermelhos que não fazem mal a ninguém e que não são ambiciosos: só querem mesmo é viver.
Pessoas também querem viver, mas infelizmente também aproveitar a vida para fazer alguma coisa de bom.
Não tenho coragem ainda de contar agora mesmo como aconteceu. Mas prometo que no fim deste livro contarei e vocês, que vão ler essa história triste, me perdoarão ou não.
Vocês hão de perguntar: por que só no fim do livro?
E eu respondo:
- É porque no começo e no meio vou contar algumas histórias de bichos que eu tive, só para vocês verem que eu só poderia ter matado os peixinhos sem querer.
Estou com esperança de que, no fim do livro, vocês já me conheçam melhor e me dêem o perdão que eu peço a propósito da morte de dois “vermelhinhos” – em casa chamávamos os peixes de “vermelhinhos”.
Eu sempre gostei de bichos. Tive uma infância rodeada de gatos. Eu tinha uma gata que de vez em quando paria uma ninhada de gatos. E eu não deixava se desfazerem de nenhum dos gatinhos.
O resultado é que a casa ficou alegre para mim, mas infernal para as pessoas grandes. Afinal, não agüentando mais os meus gatos, deram escondido de mim a gata com sua última ninhada.
Eu fiquei tão infeliz que adoeci com muita febre.
Então me deram um gato de pano para eu brincar.
Eu não liguei para ele, pois estava habituada a gatos vivos.
A febre só passou muito tempo depois.
[...]
Tenho esperanças de que até o fim do livro vocês possam me perdoar.
Antes de começar, quero que vocês saibam que meu nome é Clarice. E vocês, como se chamam? Digam baixinho o nome de vocês e meu coração vai ouvir.
[...]
Vocês ficaram tristes com a história? Vou fazer um pedido para vocês: todas as vezes que vocês sentirem solitários, isto é, sozinhos, procurem uma pessoa para conversar. Escolham uma pessoa grande que seja muito boa para crianças e que entenda que às vezes um menino ou uma menina estão sofrendo. Às vezes de pura saudade, como os periquitos australianos. Conheço uma moça que toca piano muito bem nos teatros. Essa moça ganhou de presente no dia do seu aniversário um periquito australiano. Só ganhou a fêmea. O pior é que as pessoas que dão um periquito australiano têm que comprar dois: um macho e uma fêmea que, por causa da raça deles, são tão amorosos que passam o dia se beijando e não podem ser separados. A periquita até adoeceu de tanta saudade do macho dela.
[...]
Bem, agora chegou a hora de falar sobre o meu crime: matei dois peixinhos. Juro que não foi de propósito. Juro que não foi muito culpa minha. Se fosse, eu dizia.
Meu filho foi viajar por um mês e mandou-me tomar conta de dois peixinhos vermelhos dentro do aquário.
Mas era tempo demais para deixarem os peixes comigo. Não é que eu não seja de confiança. Mas é que sou muito ocupada, porque também escrevo histórias para gente grande.
E assim como a mãe ou a empregada esquecem uma panela no fogo, e quando vão ver já se queimou toda a comida – eu estava também ocupada escrevendo história. E simplesmente fiz uma coisa parecida co deixar a comida queimar no fogo: esqueci três dias de dar comida aos peixes! Logo aqueles que eram tão comilões, coitados.
Além de dar comida, eu devia sempre trocar a água do aquário, para eles nadarem em água limpa.
E a comida não era qualquer uma: era comprada em lojas especiais. A comida parecia um pozinho horrível, mas devia ser gostoso para peixe porque eles comiam tudo.
Devem ter passado fome, igual gente. Mas nós falamos e reclamamos, o cachorro late, o gato mia, todos os animais falam por sons. Mas peixe é tão mudo como uma árvore e não tinha voz para reclamar e me chamar. E, quando fui ver, estavam parados, magros, vermelhinhos – e infelizmente já mortos de fome.
Vocês ficaram muito zangados comigo porque eu fiz isso? Então me dêem perdão. Eu também fiquei muito zangada com a minha distração. Mas era tarde demais para eu lamentar.
Eu peço muito que vocês me desculpem. Dagora em diante nunca mais ficarei distraída.
Vocês me perdoam?
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