Ela estacara. Um grande silêncio seguira-se. Olhara-o e descobrira na sua trêmula vitória a mesma perturbação. Ele lhe trouxera timidamente um grito. Fitaram-se um instante e tudo era indeciso, frágil, tão novo e nascente. E tudo era tão perigoso e revolvido que ambos desviaram quase bruscamente os olhos. Mas havia alguma coisa encantada entre eles nesse momento. Embora ela jamais se ocupasse verdadeiramente de Deus e raramente rezasse. Diante da idéia dele permanecia surpreendentemente calma e inocente, sem um pensamento sequer. Daniel afastava-se. Naquele tempo ele começara a pensar e a dizer coisas difíceis com gosto e amor. Ela ouvia inquieta. Ele passeava de ida e de volta pelos corredores penumbrosos do casarão com os braços cruzados, abstraído. Virgínia perscrutava-lhe inutilmente o rosto de boca cerrada, os olhos escuros indecisos, aquela quase feiúra que se agravava com a idade, o sofrimento e o orgulho.
De manhã na cozinha sobre a mesa vejo o ovo. Olho o ovo com um só olhar. Imediatamente percebo que não se pode estar vendo um ovo. Ver o ovo nunca se mantêm no presente: mal vejo um ovo e já se torna ter visto o ovo há três milênios. – No próprio instante de se ver o ovo ele é a lembrança de um ovo. – Só vê o ovo quem já o tiver visto. – Ao ver o ovo é tarde demais: ovo visto, ovo perdido. – Ver o ovo é a promessa de um dia chegar a ver o ovo. – Olhar curto e indivisível; se é que há pensamento; não há; há o ovo. – Olhar é o necessário instrumento que, depois de usado, jogarei fora. Ficarei com o ovo. – O ovo não tem um si-mesmo. Individualmente ele não existe. Ver o ovo é impossível: o ovo é supervisível como há sons supersônicos. Ninguém é capaz de ver o ovo. O cão vê o ovo? Só as máquinas vêem o ovo. O guindaste vê o ovo. – Quando eu era antiga um ovo pousou no meu ombro. – O amor pelo ovo também não se sente. O amor pelo ovo é supersensível. A gente não sabe que ama o ovo. – Qu...
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