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Mostrando postagens de 2009

2° Selo "Blog Clarice Lispector"

O Blog Clarice Lispector lança seu segundo selo. Título: “Sentir é um Fato”. Indicados: Blogs ou sites que tenham a literatura como temática central. claricelispector.blogspot.com

Guia de navegação

Bem vindos ao blog Clarice Lispector! Veja nosso guia para facilitar sua navegação: Postagens: 2007 | 2008 | 2009 O Blog Diversos portais foram acrescentados de forma a promover uma maior interação entre os admiradores de Clarice Lispector. Para fazer parte do Espaço Clarice clique aqui e faça o cadastro. É rápido e gratuito. Sua contribuição pode ser acrescentada ao blog através do menu Participe , clique aqui para ter acesso. Nosso e-mail: blogclispector@gmail.com Parte Lateral Através do portal Recados e Receitas suas dúvidas e sugestões são recebidas e respondidas pelos próprios visitantes; Sua opinião é registrada automaticamente em nossas enquetes; Você poderá receber atualizações do blog assim que cadastrar seu e-mail e validar sua inscrição. As atualizações são viabilizadas pelo FeedBurner.

O azul celeste do enigma na noite emudecido

Espaço Clarice - Fãs. Sobre o texto: Arranjo: Keidy Costa Contato: http://keidylee.blogspot.com A poesia "O azul celeste do enigma na noite emudecido" é um arranjo de trechos das obras de Clarice Lispector, Cecília Meireles, Vladmir Maiakovski e Affonso Romano de Sant'Anna. Vê como tudo agora emudeceu, que tributo de estrelas a noite impôs ao céu em horas como esta eu me ergo e converso com os séculos a história do universo. Mas de que me vale ter casa, parentes, vida? Sou a terra que estremece? Ou a multidão que avança? Ó solidão minha, ó limites da criatura! Meu nome está em mim? No passado ou no futuro? Ninguém responde. E o fogo avança para meu pequeno enigma. Arranjo Cheio de "eu sei, eu sei", de promessa de fidelidade e de apoio mútuo numa união cerrada e quase má; uma e simples, nenhum movimento a simbolizava, era o mistério aceito: eu gostaria de ser aquele pequeno inseto de olhos luminosos que a mulher descobriu à noite no gramado para quem o escuro é o...

Aniversário do Blog!

Dia 03/10 completamos 2 anos de blog! Para comemorar: http://blogclaricelispector.ning.com ____________________ Envie seu texto para o blog ____________________ http://claricelispector.blogspot.com

Clarice Lispector

Releitura do texto "Silêncio", de Clarice Lispector

Espaço Clarice - Fãs. Sobre o texto: Autoria: Fá Fioretti Contato: http://devoradoradehistorias.blogspot.com/ É estranho como não se fala sobre nosso silêncio interior. Temos um misto de vergonha e medo, porque ele é inexplicável e acreditamos que o outro não nos vai entender, pois, mesmo que também o tenha, não admitirá. Mas, chega o momento em que se aceita o silêncio como o destino final da jornada vivida e, amparado pela coragem, se entra nele e vive o silêncio como se tudo vivido antes fosse um ensaio para o que se viveria agora. O silêncio total, o vasto silêncio de quando nos deixamos reconhecer, só chega quando nada mais pode atrapalhá-lo e ele, introspectivo, não sente temor de se mostrar e se assumir como realmente é. Ocorre o medo de ter o desabrochar, despertado pelo silêncio, interrompido por algum som desavisado que se propaga no mundo exterior, mas não repercute em nosso interior. E então o silêncio chega, aquele silêncio que, nas horas de maior ardor, imaginamos como o...

Homenagem à Clarice Lispector

Espaço Clarice - Fãs. Sobre o texto: Autoria: Rodrigo Mendes Rosa Contato: http://reflexosemreflexoes.blogspot.com Essa mulher que come palavras com colher e segura nas frases com as mãos! Não lhe ensinaram que o sentido pertence ao dicionário? Vocábulos são átomos sujeitos a regras, gramática é a Física da literatura. Não se pode sair assim juntando coisas. É feio. Corre-se o risco de inventar algo novo, quem sabe perigoso e mortal. Experimentos com palavras já provocaram reação em cadeia, é preciso ter cuidado. Ou pior, nesse tempo de piratas e sequestro relâmpago, imaginem se capturam e exigem resgate por alguma palavra estimada? Por isso eu sempre acompanho minhas palavras quando elas vão passear no parque. Não convém deixá-las sozinhas um segundo sequer. De noite eu as cubro e canto belas canções. Sabe palavra só pega no sono acompanhada. Graças a Clarice descobri esse hábitos estranhos das palavras. Hoje eu também não as como com garfo e faca, afinal pra participar desse banquete...

Espaço Clarice - Fãs!

Essa página publicará textos da autoria de fãs de Clarice Lispector. Para enviar seu texto deixe-o como comentário nessa postagem. Categorias: ° Artigos; ° Contos; ° Crônicas; ° Ensaios; ° Homenagens; ° Poesias; ° Prosa poética; ° Resenhas e etc. Importante: ° Os textos deverão ser identificados; ° Deixe claro que o texto é para o Espaço Clarice; ° A divulgação de links (blog/e-mail/site) é opcional.

Espaço Clarice!

Visite o Espaço Clarice! Registre-se clicando aqui . É rápido e gratuito. http://blogclaricelispector.ning.com "Tudo no mundo começou com um sim. Uma molécula disse sim a outra molécula e nasceu a vida. Mas antes da pré-história havia a pré-história da pré-história e havia o nunca e havia o sim. Sempre houve. Não sei o que, mas sei que o universo jamais começou. Que ninguém se engane, só consigo a simplicidade através de muito trabalho." (C.L.)

Uma Galinha

Era uma galinha de domingo. Ainda viva porque não passava de nove horas da manhã. Parecia calma. Desde sábado encolhera-se num canto da cozinha. Não olhava para ninguém, ninguém olhava para ela. Mesmo quando a escolheram, apalpando sua intimidade com indiferença, não souberam dizer se era gorda ou magra. Nunca se adivinharia nela um anseio. Foi pois uma surpresa quando a viram abrir as asas de curto vôo, inchar o peito e, em dois ou três lances, alcançar a murada do terraço. Um instante ainda vacilou — o tempo da cozinheira dar um grito — e em breve estava no terraço do vizinho, de onde, em outro vôo desajeitado, alcançou um telhado. Lá ficou em adorno deslocado, hesitando ora num, ora noutro pé. A família foi chamada com urgência e consternada viu o almoço junto de uma chaminé. O dono da casa, lembrando-se da dupla necessidade de fazer esporadicamente algum esporte e de almoçar, vestiu radiante um calção de banho e resolveu seguir o itinerário da galinha: em pulos cautelosos alcançou ...

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Crítica Leve

- No livro de Pelé as coisas vão acontecendo, e depois acontecendo, e depois acontecendo. É diferente do seu, porque você fica só inventando. O seu é mais difícil de fazer, mas o dele é melhor.

Crítica Pesada

- Vou fazer um conto imitando você. E vai ser na máquina também: menina mendiga. Era uma coisa. Quieta, bonita, sozinha. Encurralada naquele canto, sem mais, nem menos. Pedia dinheiro com intimidez. Só lhe restava isso: Meio biscoito e um retrato de sua mãe, que havia morrido há 3 dias.

O Recrutamento

Os passos estão se tornando mais nítidos. Um pouco mais próximos. Agora soam quase perto. Ainda mais. Agora mais perto do que poderiam estar de mim. No entanto continuam a se aproximar. Agora não estão mais perto, estão em mim. Vão me ultrapassar e prosseguir? É a minha esperança. Não sei mais com que sentido percebo distâncias. É que os passos agora não estão apenas próximos e pesados. Já não estão apenas em mim. Eu marcho com eles.

Conversa com Filho

- Sabe, eu tinha vontade, mamãe, de experimentar às vezes ficar doido. - Mas pra quê? (Eu sei, eu sei o que você vai dizer, sei porque em mim o meu bisavô deve ter dito o mesmo, eu sei que é através de quinze gerações que uma só pessoa se forma, e que essa futura pessoa me usou para me atravessar e usará o filho de meu filho, assim como um pássaro pousado numa seta que vagarosamente avança.) - Pra me libertar, assim eu ficava livre... (Mas haverá a liberdade sem a prévia permissão da loucura. Nós ainda não podemos: somos apenas os gradativos passos dela, dessa pessoa que vem.)

Dois Modos

Como se eu procurasse não aproveitar a vida imediatamente, mas só a mais profunda, o que me dá dois modos de ser: em vida, observo muito, sou "ativa" nas observações, tenho o senso do ridículo, do bom humor, da ironia, e tomo um partido. Escrevendo, tenho observações "passivas", tão interiores que "se escrevem" ao mesmo tempo em que são sentidas quase sem o que se chama de processo. É por isso que no escrever eu não escolho, não posso me multiplicar em mil, me sinto fatal a despeito de mim.

Era uma Vez

Respondi que gostaria mesmo era de poder um dia afinal escrever uma história que começasse assim: "era uma vez...". Para crianças? perguntaram. Não, para adultos mesmo, respondi já distraída, ocupada em me lembrar de minhas primeiras histórias aos sete anos, todas começando com "era uma vez"; eu as enviava para a página infantil das quintas-feiras do jornal de Recife, e nenhuma, mas nenhuma, foi jamais publicada. E era fácil de ver por quê. Nenhuma contava propriamente uma história com os fatos necessários a uma história. Eu lia as que eles publicavam, e todas relatavam um acontecimento. Mas se eles eram teimosos, eu também. Mas desde então eu havia mudado tanto, quem sabe eu agora já estava pronta para o verdadeiro "era uma vez". Perguntei-me em seguida: e por que não começo? agora mesmo? Seria simples, senti eu. E comecei. Ao ter escrito a primeira frase, vi imediatamente que ainda me era impossível. Eu havia escrito: "Era uma vez um pássaro, meu De...

A Mudez Cantada, a Mudez Dançada

Quase não era canto, no sentido em que este é aproveitamento musical da voz. Quase não era voz, no sentido em que esta tende a dizer palavras. É antes da voz ainda, é fôlego. Uma palavra ou outra às vezes escapava, revelando de que era feita aquela mudez cantada: de história de viver, amar, e morrer. Essas três palavras não ditas eram interrompidas por lamentos e modulações. Modulações de fôlego, primeiro estágio de voz que capta o sofrimento no seu primeiro estágio de gemido, e capta a alegria no seu primeiro estágio de gemido. E de grito. E mais outro grito, este de alegria por se ter gritado. Em torno à assistência aconchegava-se escura e suja. Depois de uma das modulações que de tão prolongada morre em suspiro, o grupo esgotado como cantor murmura um "olé" em amém, última brasa. Mas há também o canto impaciente que a voz apenas não exprime: então um sapateado nervoso e firme o entrecorta, o "olé" que interrompe a cada instante não é mais amém, é incitamento, é t...

Brasília

Brasília é construída na linha do horizonte. – Brasília é artificial. Tão artificial como devia ter sido o mundo quando foi criado. Quando o mundo foi criado, foi preciso criar um homem especialmente para aquele mundo. Nós somos todos deformados pela adaptação à liberdade de Deus. Não sabemos como seríamos se tivéssemos sido criados em primeiro lugar, e depois o mundo deformado às nossas necessidades. Brasília ainda não tem o homem de Brasília. – Se eu dissesse que Brasília é bonita, veriam imediatamente que gostei da cidade. Mas de digo que Brasília é a imagem de minha insônia, vêem nisso uma acusação; mas a minha insônia não é bonita nem feia – minha insônia sou eu, é vivida, é o meu espanto. Os dois arquitetos não pensaram em construir beleza, seria fácil; eles ergueram o espanto deles, e deixaram o espanto inexplicado. A criação não é uma compreensão, é um novo mistério. – Quando morri,um dia abri os olhos e era Brasília. Eu estava sozinha no mundo. Havia um táxi parado. Sem chofer...

Mentir, pensar

O pior de mentir é que cria falsa verdade. (Não, não é tão óbvio como parece, não é truísmo; sei que estou dizendo uma coisa e que apenas não sei dizê-la do modo certo, aliás, o que me irrita é que tudo tem de ser "do modo certo", imposição muito limitadora.) O que é mesmo que eu estava tentando pensar? Talvez isso: se a mentira fosse apenas a negação da verdade, então este seria um dos modos (negativos) de dizer a verdade. Mas a mentira pior é a mentira "criadora". (Não há dúvida: pensar me irrita, pois antes de começar a pensar eu sabia muito bem o que eu sabia.)

Monet

Estou ouvindo música. Debussy usa as espumas do mar morrendo na areia, refluindo e fluindo. Bach é matemático. Mozart é o divino impessoal. Chopin conta a sua vida mais íntima. Schoenberg, através de seu eu, atinge o clássico eu de todo o muno. Beethoven é a emulsão humana em tempestade procurando o divino e só o alcançando na morte. Quanto a mim, que não peço música, só chego ao limiar da palavra nova. Sem coragem de expô-la. Meu vocabulário é triste e às vezes wagneriano-polifónico-paranóico. Escrevo muito simples e muito nu. Por isso fere. Sou uma paisagem cinzenta e azul. Elevo-me na fonte seca e na luz fria.

Medo da Eternidade

Jamais esquecerei o meu aflitivo e dramático contato com a eternidade. Quando eu era muito pequena ainda não tinha provado chicles e mesmo em Recife falava-se pouco deles. Eu nem sabia bem de que espécie de bala ou bombom se tratava. Mesmo o dinheiro que eu tinha não dava para comprar: com o mesmo dinheiro eu lucraria não sei quantas balas. Afinal minha irmã juntou dinheiro, comprou e ao sairmos de casa para a escola me explicou: - Como não acaba? - Parei um instante na rua, perplexa. - Não acaba nunca, e pronto. - Eu estava boba: parecia-me ter sido transportada para o reino de histórias de príncipes e fadas. Peguei a pequena pastilha cor-de-rosa que representava o elixir do longo prazer. Examinei-a, quase não podia acreditar no milagre. Eu que, como outras crianças, às vezes tirava da boca uma bala ainda inteira, para chupar depois, só para fazê-la durar mais. E eis-me com aquela coisa cor-de-rosa, de aparência tão inocente, tornando possível o mundo impossível do qual já começara a ...

O Lustre (trecho)

Com a mala pousada no chão ela esperou um instante na esquina. Sim, agora tomar um táxi, procurar Miguel, pedir o dinheiro da venda dos móveis, sim, sim. Mas suspirou imóvel e atenta. O rosto empoeirado sob o chapéu ligeiramente deslocado da cabeça parecia obscuro e oprimi­do por um vago temor. O que sucedia? por que desfalecia todo o seu passado e começava horrivelmente um tempo novo? De súbito começou a transpirar, o estômago encolheu-se numa só onda de enjôo, ela respira­va terrivelmente opressa e arquejante — o que lhe sucedia? ou o que ia suceder? Num esforço em que o peito parecia suportar um viscoso peso, com um mal-estar inexcedível, atravessou pálida a rua e o carro dobrou a esquina, ela recuou um passo, o carro hesitou, ela avançou e o carro veio em luz, ela o percebeu com um choque de calor sobre o corpo e uma queda sem dor enquanto o coração olhava surpreso para nenhum lugar e um grito de homem vinha de alguma direção — era veloz­mente o mesmo dia há três anos quando estaca...

O Lustre (trecho)

Levantou-se, caminhou com o barulho das rodas, os movimentos inclinados contra a direção do trem; de algum modo achava divertido o esforço que fazia e talvez por isso sorriu como se completasse algum desígnio; penetrou no carro restaurante, pediu café ajeitando o chapéu empoeirado, assumindo vagamente uma atitude de pessoa alta, grande e bem disposta. Sentia uma clara paz aberta como um campo ignorado e tranqüilo; aos poucos esqueceu-se de si própria e passou a observar com dócil interesse as coisas do trem, uma mulher mastigando. Raras fagulhas atravessavam com rápida violência as janelas, aquele já-já-já das rodas que pareciam um rumor interno. Entardecia, o trem corria pelos campos já sem cor. O restaurante estava quase vazio, sobre as toalhas manchadas as moscas pousavam, tudo era áspero e seco de poeira. Foi com um sobressalto que notou o próprio abandono. Perscrutou-se com ligeira ansiedade. Alguma coisa imperceptível já se transformara no entan­to. Com alguma inquietação ela se ...

Maio - A perigosa Yara

Ao cair de todas as tardes, a Yara, que mora no fundo das águas, surge de dentro delas, magnífica. Com flores aquáticas enfeita então os cabelos negros e brinca com os peixinhos de escapole-escapole. Mas no mês de maio ela aparece ao pôr-do-sol para arranjar noivo. As mães se preocupam com seus filhos varões, sabedoras de que a Yara quer noivos. Mas para os filhos, Yara é a tentação da aventura, pois há rapazes que gostam de perigo. À medida que a Yara canta, mais inquietos e atraídos ficam os moços, que, no entanto, não ousam se arriscar. Sim, mas houve um dia um Tapuia sonhador e arrojado. Pensativamente estava pescando e esqueceu-se de que o dia estava acabando e que as águas já se amansavam. Foi quando pensou: acho que estou tendo uma ilusão. Porque a morena Yara, de olhos pretos e faiscantes, erguera-se das águas. O Tapuia teve o medo que todo o mundo tem das sereias arriscadas — largou a canoa e correu a abrigar-se na taba. Mas de que adiantava fugir, se o feitiço da Flor das Águ...

Gertrudes Pede um Conselho

[...] “Libertar” era uma palavra imensa, cheia de mistérios e dores. Como fora amena há dias, quando se destinava a outro papel? Outro, qual? Tudo era confuso e só se exprimia bem na palavra “liberdade” e nos passos pesados e firmes, no rosto fechado que adotava. À noite não dormia até que os galos longínquos começassem a cantar. Não pensava, propriamente. Sonhava acordada. Imaginava um futuro em que, audaciosa e fria, conduziria uma multidão de homens e mulheres, cheios de fé quase a adorá-la. Depois, pelo meio da noite, deslizava para uma meia inconsciência, onde tudo era bom, a multidão já conduzida, uma ausência de aulas, um quarto só seu, muitos homens a amá-la. Acordava amarga, notando com alegria reprimida que não se interessava pelo bolo que as irmãs devoravam animalmente, com irritante despreocupação. Vivia então os seus dias gloriosos. E chegava ao auge com algum pensamento que a exaltava e a mergulhava em misticismo ardente: “Entrar para um convento! Salvar os pobres, ser en...

O Lustre (trecho)

Mudava de roupa serena e cuida­dosa. Metia-se com profundo amor-próprio na cama. Concentrava-se um instante até descobrir um cricri longínquo, nítido e frágil, o grilo brilhando. Seu próprio espírito se apoderara dela. Suspirava. Oh Deus, era estranho como não sentia nenhuma pressa. No fundo ela era aterrorizantemente quieta. Pensava de leve na manhã seguinte. Na cidade, mesmo que o silêncio fosse o ar mais próximo, atrás dele sempre vivia algum ruído. Acordava-se, ouvia-se aquele contínuo e suave machucar de papel que era o silêncio... percebia-se uma flautinha e um pequeno tambor soltos quem sabe onde no ar, soando longínquos, límpidos e bem dispostos— e sabia-se que na praça de um quartel soldados faziam exercícios ao sol. Mas agora era de noite, ela mal terminara de dar os últimos e ocos passos pela calçada em sombra. Submergia no cansaço, buscava-o. Tinha algo de flor o seu cansaço, um perfume alado e inconquistável de melão fresco, aquele êxtase de exaustão e vôo... a fraqueza co...

O Lustre (trecho)

Passava as manhãs sentada junto à mesa olhando os dedos, as unhas lisas e rosadas. Será que todo o mundo sabe o que eu sei? ocorria-lhe profundamente. Procurava distrair-se desenhando as linhas retas sem au­xílio de régua — mas onde estava o encanto do trabalho? sem poder precisar melhor parecia-lhe que falhava a todo o instante. Às vezes falava alto algumas palavras e enquanto se ouvia parecia-lhe numa estranheza inquieta e deliciosa que ela não era ela mesma e surpreendia-se num susto que era também mentira. E depois noutra estranheza fraca e embria­gada, ela era ela mesma. Dizia numa pequena voz aborrecida, balançando a cabeça; pois não estou contente, não estou nada contente. Ou entrava a viver numa exaltação íntima, numa pureza ardente cujo início era uma imperceptível falsidade. Sabia ainda fechar os olhos e cerrar-se numa força bruta. Entreabria então as pálpebras com delicadeza como deixando essa força escoar-se lentamente — e enxergava as coisas sob uma certa luz de crepúsculo...

Janeiro - Como Nasceram as Estrelas

Pois é, todo mundo pensa que sempre houve no mundo estrelas pisca-pisca. Mas é erro. Antes os índios olhavam de noite para o céu escuro — e bem escuro estava esse céu. Um negror. Vou contar a história singela do nascimento das estrelas. Era uma vez, no mês de janeiro, muitos índios. E ativos: caçavam, pescavam, guerreavam. Mas nas tabas não faziam coisa alguma: deitavam-se nas redes e dormiam roncando. E a comida? Só as mulheres cuidavam do preparo dela para terem todos o que comer. Uma vez elas notaram que faltava milho no cesto para moer. Que fizeram as valentes mulheres? O seguinte: sem medo enfurnaram-se nas matas, sob um gostoso sol amarelo. As árvores rebrilhavam verdes e embaixo delas havia sombra e água fresca. Quando saíam de debaixo das copas encontravam o calor, bebiam no reino das águas dos riachos buliçosos. Mas sempre procurando milho porque a fome era daquelas que as faziam comer folhas de árvores. Mas só encontravam espigazinhas murchas e sem graça. — Vamos voltar e tra...

Saudade

Saudade é um pouco como fome. Só passa quando se come a presença. Mas às vezes a saudade é tão profunda que a presença é pouco: quer-se absorver a outra pessoa toda. Essa vontade de um ser o outro para uma unificação inteira é um dos sentimentos mais urgentes que se tem na vida.

O Lustre (trecho)

— Eu acho que no fundo todos os homens e mulheres vivem dizen­do: não quero pensar nisso. E pensando que não pensaram, hem? que acha? — terminara rindo muito com sagacidade, apertando os olhos. Ela também ria bastante balançando a cabeça várias vezes em assentimento, engolindo o café cheia de pasmo pela sua perspicácia. E não era verdade? ninguém podia suportar muito o que sentia. E agora a Bíblia... — Pois sim, pode-se ler, dissera friamente. Ele olhou-a e compreen­deram-se com cuidado, evitando qualquer clareza. — Mas beba o seu café antes que esfrie! gritou ela alto com intensida­de. Ele fitou-a hesitando um momento com esperança e de repente ale­grou-se, esfregou as mãos rápido: — É verdade, é verdade! Na noite seguinte bateu à porta, ela atendeu, viu-o com a pequena Bíblia na mão; de raiva e pudor ela recolheu-se, o corpo rígido, o rosto indiferente. Ele não a olhava. Entrou até o meio da sala, parou indeciso; ela permanecia em pé junto da porta como esperando que ele fosse embo­r...

O Lustre (trecho)

Esses eram momentos em que ela sofria mas amava seu sofrimento. Atravessava o dia, a necessidade de cumprir os pequenos deveres, a arrumação dos quartos, a espera, a realidade e as ruas — entre séria e ansiosa, perscrutando-se e ao espaço como se já estivesse misteriosamente ligada a Vicente através da distância. Porque mal acordada sabia que hoje era dia de vê-lo. Talvez não fosse tão subitamente — ela se proporcionava a pequena surpresa para dar-se felicidade mesmo à custa de conservar fechada a consciência e lá encerrada a obscura e estimulante mentira. As primeiras horas queimavam-se difíceis e lentas mas perto das dez da manhã limpa o tempo se precipitava alegre e fugitivo, claro com o dia e num sorriso ela se assistia movendo-se dagora em diante fácil e mansa. Quase não almoçava, era difícil cozinhar só para si e mesmo hoje ela jantaria bem com Vicente — comia uma fruta para contentar a mãe distante. E assim preparava-se para viver-diariamente, disposta a transformar-se no que nã...

O Lustre (trecho)

A represa gemia sem interrupção, vibrava no ar e trepidava dentro do seu corpo, deixando-a de algum modo trêmula e quente. Sentou-se sobre uma das pedras ainda sensível de sol. Por um instante, num leve turbilhão silencioso, toda a sua vida ela a passara sentando-se sobre pe­dras; outra realidade é que ela atravessara toda a sua vida olhando antes de dormir o escuro e remexendo-se à procura de um conforto enquanto alguma coisa fina e acordada espreitava: amanhã. Sim, quantas coisas ela via — suspirou devagar olhando em torno com tristeza. Pensara achar na cidade outras espécies... Continuava no entanto a sentar-se sobre pedras, a notar um olhar numa pessoa, a encontrar um cego, a só ouvir certas palavras... via o que enxergara pela primeira vez e que parecia ter completado a capacidade de seus olhos. Um longo bem-estar vazio tomou-a, ela cruzou os dedos com delicadeza e afetação, pôs-se a olhar. Mas o céu esvoaçava tão esgarçado, roçagante, tão sem superfície... O que sentia era sem pr...

O Lustre (trecho)

Parecia-lhe ter mergulhado na vileza com a Sociedade das Sombras. Olhava-se ao espelho, o rosto branco e delicado perdido em penum­bra, os olhos abertos, os lábios sem expressão. Ela se agradava, gostava daquele seu jeito, fino, tão sinuoso, dos cabelos sombreados, de seus om­bros pequenos e magrinhos. Como sou linda, disse. Quem me compra? quem me compra? — fazia um ligeiro muxoxo ao espelho — quem me compra: ágil, engraçada, tão engraçada como se fosse loura mas não sou loura: tenho lindos, frios, extraordinários cabelos castanhos. Mas eu quero que me comprem tanto que... que... que me mato! exclamou e espiando seu rosto espantado com a frase, orgulhosa de seu próprio ardor, riu uma gargalhada falsa, baixa e brilhante. Sim, sim, precisava de uma vida secre­ta para poder existir. De um instante para outro estava de novo séria, cansada — seu coração pulsava na sombra, lento e vermelho. Um novo elemento até agora estranho penetrara em seu corpo desde que existia a Sociedade das Sombras....

O Lustre (trecho)

Ela estacara. Um grande silêncio seguira-se. Olhara-o e descobrira na sua trêmula vitória a mesma perturbação. Ele lhe trouxera timidamente um grito. Fitaram-se um instante e tudo era indeciso, frágil, tão novo e nascente. E tudo era tão perigoso e revolvido que ambos desviaram quase bruscamente os olhos. Mas havia alguma coisa encantada entre eles nesse momento. Embora ela jamais se ocupasse verdadeiramente de Deus e raramente rezasse. Diante da idéia dele permanecia surpreendentemente calma e inocente, sem um pensamento sequer. Daniel afastava-se. Naque­le tempo ele começara a pensar e a dizer coisas difíceis com gosto e amor. Ela ouvia inquieta. Ele passeava de ida e de volta pelos corredores penumbrosos do casarão com os braços cruzados, abstraído. Virgínia perscruta­va-lhe inutilmente o rosto de boca cerrada, os olhos escuros indecisos, aquela quase feiúra que se agravava com a idade, o sofrimento e o orgu­lho.

Uma Revolta

Quando o amor é grande demais torna-se inútil: já não é mais aplicável, e nem a pessoa amada tem a capacidade de receber tanto. Fico perplexa como uma criança ao notar que mesmo no amor tem-se que ter bom senso e senso de medida. Ah, a vida dos sentimentos é extremamente burguesa.

Sobre a Escrita...

Meu Deus do céu, não tenho nada a dizer. O som de minha máquina é macio. Que é que eu posso escrever? Como recomeçar a anotar frases? A palavra é o meu meio de comunicação. Eu só poderia amá-la. Eu jogo com elas como se lançam dados: acaso e fatalidade. A palavra é tão forte que atravessa a barreira do som. Cada palavra é uma idéia. Cada palavra materializa o espírito. Quanto mais palavras eu conheço, mais sou capaz de pensar o meu sentimento. Devemos modelar nossas palavras até se tornarem o mais fino invólucro dos nossos pensamentos. Sempre achei que o traço de um escultor é identificável por um extrema simplicidade de linhas. Todas as palavras que digo - é por esconderem outras palavras. Qual é mesmo a palavra secreta? Não sei é porque a ouso? Não sei porque não ouso dizê-la? Sinto que existe uma palavra, talvez unicamente uma, que não pode e não deve ser pronunciada. Parece-me que todo o resto não é proibido. Mas acontece que eu quero é exatamente me unir a essa palavra proibida. ...

Fãs

Para ter seu texto publicado nessa sessão, envie-o como comentário em qualquer postagem. Mande também opiniões e sugestões sobre o blog. Não esqueça de especificar que está participando da sessão "Fãs". Blog Clarice Lispector!

O Lustre (trecho)

Sentada à sombra de uma árvore, em breve era rodeada de instantes vazios porque há vários momentos nada sucedia e os segundos futuros nada trariam — pressentia ela. Aquietava-se — não conseguia disfarçar-se o largo bem-estar inexplicável que a aprofundava no próprio corpo pensa­tivo, o ente inclinado para uma sensação delicada e difícil — mas dissimu­lava-se por algum motivo procurando ver as pedras do chão, as sobrance­lhas franzidas, mentirosas, toda ela sonsa e estúpida. Alguma coisa curiosa e fria ocorria-lhe, alguma coisa um pouco sorrindo com desprezo mas atenta de ir até o fim, fazendo-a quase pensar num impulso irônico e fútil: se és como dizes uma criatura viva, move-te... e ela quase desejaria erguer-se e colher uma erva clara um pouco tenra. Dentro de seu rosto as noções sussurravam liquefazendo-se em decomposição — ela era uma menina descansando. Olhava, olhava. Fechava os olhos atentando a todos os pontos indevassáveis de seu estreito corpo, pensando-se toda sem pala­vras,...

O Lustre (trecho)

Mas às vezes era tão rápida a sua vida. Luzes caminham em direção, Virgínia espia o céu, as cores brilham sob o mar. Virgínia caminha sem direção, a claridade é o ar, Virgínia respira claridade, folhas tremem sem saber, Virgínia não pensa, as luzes caminham sem direção, Virgínia espia o céu... As vezes era tão rápida a sua vida. Sua pequena cabeça de menina tonteava, ela fitava o campo à sua frente, espiava Granja Quieta já perdida na distância e olhava sem procurar entender. Em Brejo Alto não havia mar, porém uma pessoa podia olhar rapidamente para a extensa campina, fechar logo os olhos, apertar o próprio coração e como um filho, como um filho nascendo, sentir o cheiro docemente podre do mar. E mesmo que nesse instante o dia fosse duro e novo, as plantas secas de poeira, nuvens vermelhas e quentes de verão, os girassóis ásperos sacudindo-se no final do grosso talo contra o espaço, mesmo que não houvesse a feliz umidade das terras próximas às águas... uma vez um pássaro desabrochou da...

O Lustre (trecho)

Mas ela passaria os dias como uma visita na própria casa, não daria ordens, de nada cuidaria. Seu vestido florido e gasto vestia-a molemente, deixava entrever os longos seios gordos e aborrecidos. Ela já fora viva, com pequenas resoluções a cada minuto — brilhava seu olho fatigado e colérico. Assim vivera, casara e fizera Esmeralda nascer. E depois sobre-viera uma perda lenta, ela não abrangia com o olhar sua própria vida, embora seu corpo ainda continuasse a viver separado dos outros corpos. Preguiçosa, cansada e vaga, Daniel nascera e depois Virgínia, formados na parte inferior de seu corpo, incontroláveis — um pouco magros, cabelu­dos, os olhos até bonitos. Apegava-se a Esmeralda como ao resto de sua última existência, daquele tempo em que respirava para a frente dizendo: vou ter uma filha, meu marido vai comprar um grupo estofado, hoje é segunda-feira... Do tempo de solteira guardaria com amor uma camisola fina pelo uso como se a época sem homem e sem filhos fosse gloriosa. Assim d...

Sobre Nós

O Blog Clarice Lispector surgiu na quarta-feira, 3 de outubro de 2007, com a proposta de levar a obra de Clarice ao máximo de pessoas possíveis. Nesse pouco tempo o blog foi citado numa reportagem do Jornal Folha Online e na Rádio CBN . O blog atingiu 300.000 visitas e o que faz com que ele exista é saber que de alguma forma, ele contribui com os fãs da Clarice. Obrigado!

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